Isso vale para viagens e também para a leitura. Porque toda leitura é uma viagem por um mundo desconhecido. Não, isso que escrevi não está certo. Há livros que não nos levam a viajar por mundos desconhecidos. Eles apenas repetem a nossa mesmice. Por isso são de leitura fácil.
Há alguns anos, quando estive preso numa cadeira por causa de uma operação de hérnia de disco, pus-me a ler uma série de livros que tinham estado à espera, numa prateleira. Mas eles davam canseira na cabeça de um homem que estava doente. Quem está doente não quer viajar. Mudei-me então para os policiais da Agatha Christie. Leitura para passar o tempo, porque não era preciso pensar. Todos eles são iguais. E eu ficava no meu mundinho.
Para se entender um livro de outro mundo, a primeira condição é sair do nosso mundo. Isso exige uma decisão preliminar: “Vou, provisoriamente, num jogo de faz de conta, parar de ter minhas ideias. Vou desembarcar do meu mundo. Vou entrar no mundo do autor. Vou aprender a sua língua...”. Se eu não fizer isso não terei condições de entendê-lo, se for o caso, ainda que para discordar dele honestamente.
Se eu parto do pressuposto de que o autor só diz besteiras eu só lerei besteiras – as que estavam dentro de mim.
"Nós não vemos o que vemos, nós vemos o que somos. Só vêem as belezas do mundo, aqueles que têm belezas dentro de si."
Desembarcar - Rubem Alves
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